segunda-feira, 6 de maio de 2013

O caso XXXXX

Olá, seja você quem for, não me interessa o que você esteja fazendo além de ler isso, apenas esqueça e preste atenção. Não tenho muito tempo, eles estão me perseguindo. Estou escondido nos esgotos de Londres, com apenas uma lanterna que roubei do guarda para poder escrever isso. Vou morrer em breve quando eles me pegarem. Não os guardas. Ou minha mulher. Ou minha amante. Ou minha outra amante. Mas Eles.

Isso foi há dois dias, quando comecei a sonhar com essas estradas gigantes suspensas no céu. As nuvens pareciam ser feitas de poeira.  Corri muito e muito, até ver ao longe um local que parecia um bar. Quando cheguei mais perto, vi que realmente era um bar. Com neon quebrado na entrada e um garçom enxugando copos com uma toalha branca no ombro, fumando um cigarro.

Assim que cheguei ao local, uma mulher loira de vestido vermelho e uma pinta preta em cima da boca me puxou e disse,  - Rápido, eu estava esperando por você! No começo achei que era um daqueles sonhos onde eu comia um monte de mulheres e acordaria gozado e daria um beijo em minha mulher para esconder a traição que acontecia em minha mente. - Isso nunca aconteceu comigo, mas já escutei histórias.

Assim que me sentei ao lado dela, a tal loira me falou,  XXXXX, rápido, beba isso, antes que eles cheguem. (Desculpe, mas é mais seguro para você se eu não revelar o meu nome).

Ela me ofereceu um líquido roxo que borbulhava bastante e saia muita fumaça. Eu disse que não iria beber aquilo, mas ela insistiu muito. E quando eu escutei os motores de moto roncando do lado de fora, e ela começando a chorar dizendo que eles tinham chegado, eu bebi. Subitamente eu acordei sujo de areia e com uma vontade horrível de vomitar. Fui até o banheiro e vomitei. Tudo o que saiu foi o mesmo líquido roxo com muita fumaça. Tentei racionalizar o que diabos estava acontecendo. Fiquei paralisado olhando para aquilo por uns dez minutos.

PORRA! Acho que algum rato tentou subir pela minha perna. Tem mais alguém neste esgoto. Eu não estou sozinho aqui.  Depois que eu descobrir o que é, voltarei a escrever...

Era um d’Eles! Consegui despistá-lo. Estou bastante ferido agora, minha perna dói. Corri muito. Onde eu estava? Ah!

Depois que vomitei aquela coisa roxa, tive muito sono. Mas eu tinha acabado de acordar. Como era meu dia de folga, decidi voltar a dormir. Novamente voltei a sonhar com a loira, no mesmo bar, na mesma situação. Como se o meu despertar tivesse dado um pause, na história.

Vamos, por aqui XXXXX, aqui tem uma saída. Disse a loira, segurando minha mão e correndo com o vestido tremulando ao vento.

Fugi junto com ela e perguntei o que estava acontecendo. Ela me falou que aqueles motoqueiros queriam matá-la. E que só eu podia salvá-la, que eu tinha sido o escolhido para protegê-la, e quando eu bebia aquele líquido, ela viveria mais.

A loira com a pinta em cima da boca segurou minha mão bem forte e pediu para que eu bebesse o líquido novamente. Eu disse que não. Enquanto os motoqueiros se aproximavam cada vez mais rápidos e gritando juras de morte para a loira, pequenos insetos metálicos e enferrujados começaram a aparecer, as nuvens giravam como água perto de um ralo e tudo estava ficando negro. Bebi novamente aquela poção roxa que se destacava na escuridão e acordei. Era o único jeito de eu sair dali. Corri para o banheiro e vomitei muito, bem mais que a outra vez.

Algum tempo depois que acordei alguém bateu na porta. Já eram cinco da tarde. Nunca tinha dormido tanto. Eram os mesmos motoqueiros do sonho e notei que os dois tinham uma tatuagem de insetos. Perguntaram se meu nome era XXXXX e eu respondi.

Sim, esse é o meu nome.

Você terá de vir conosco.

Espere um minuto, eu conheço vocês! -Eu disse.

É claro que sim.

Então eles me amarraram, vendaram, jogaram dentro de um furgão, e bateram a porta.

Pensei que eles iam comer meu rabo e me matar depois. Essas notícias merdas sempre aparecem na TV.

Quando eles tiraram minha venda, eu me vi numa casa fudida e sem móveis, mas bem grande, num estilo vitoriano, com se estivesse abandonada por três séculos e quinze dias.

Disseram que sentiam muito, mas teriam que me sacrificar. Eu disse que não sabia de nada. Que não conhecia ninguém importante e não tinha dinheiro, mas poderia oferecer toda a quantia que tinha no banco e prometi não dizer nada a ninguém. Isso não adiantou, quando um deles questionou.


Mas senhor, tem mesmo que sacrificá-lo? – Disse um dos motoqueiros.

É claro que sim. Senão, mais portais se abrirão.

Mas ele pode virar um dos nossos senhor...

Não, ele vai ser igual a ela. São todos iguais a ela.

Mas o senhor mesmo viu que...

Enquanto eles discutiam, tentei desamarrar as cordas que prendiam meus pulsos. Consegui desamarrar uma das cordas. Como Butch, em Pulp Fiction. Então desatei o nó que prendia minhas pernas e fiquei parado, fingindo ainda estar amarrado. O motoqueiro que parecia ser o líder foi para o lado de fora pegar o machado de ouro para eventualmente me liquidar. Enquanto seu subalterno disse:

– Rápido, corra!
Fiquei surpreso olhando para ele, e ele repetiu.

– Rápido idiota, corra!

Levante-me num pulo e corri por entre as ruas e becos de Londres que se escondiam por trás de nevoas. De longe pude escutar o subalterno dizer:

– Senhor! O XXXXX fugiu.

Depois de várias ruas me perdi. Parei em uma pousada, dei um nome falso para o dono e me hospedei. Estava muito cansado para ir à polícia e eles fingirem que iriam fazer alguma coisa a respeito. Além disso, estava com pouco dinheiro. Apenas o suficiente para passar a noite num lugar barato. Joguei o dinheiro em cima do balcão, peguei a chave do meu quarto e deitei na cama com molas barulhentas e colchão encardido e dormi.  Podia ouvir barulhos de ratos por todo o quarto, quando...


Eles lhe encontraram? – Disse a loira de vestido vermelho.

Que? Encontraram! O que porra está acontecendo? Isso é um sonho? Aquilo foi um sonho?

Calma XXXXX, tudo será explicado. Agora beba!

Ao longe vinha o motoqueiro subalterno que me ajudou, gritando.

 Não XXXXX , não beba. Ela está lhe enganando! Você ainda está sonhando.

Rápido XXXXX beba. É o único jeito de você me salvar. – Insistiu a loira gostosa da pinta preta em cima da boca.

Eu disse a ela que não iria beber aquilo e dei um tapa no copo, que derramou o líquido e evaporou em forma de música. Então o rosto dela começou a derreter e ela gritava muito alto, com uma voz de um equalizador quebrado pedindo ajuda repetidamente em todos os idiomas.

Os insetos metálicos e enferrujados agora estavam maiores, do tamanho de carros, o céu se movia cada vez mais rápido, como se sugasse as almas azuis dos mortais de todos os planetas de todas as galáxias. Os sonhos que eu já tivera por toda minha vida apareciam ao mesmo tempo e eu podia estar presente em todos simultaneamente, com visão de 360graus e baixa gravidade.

Em meio a toda aquela poeira, tempestade e gritos finos de socorro, o subalteno  me dizia:

XXXXX, ela quer viver! Ela e nós, só vivemos nos sonhos. Cada vez que você bebe essa poção você tem vontade de dormir, é quando ela pode viver. Ela quer que você durma o máximo que conseguir até você se esgotar e morrer. Daí então ela será o sonho de outra pessoa e fará a mesma coisa. Apenas se você não dormir, ela deixará de existir. Por isso temos que matar você. Eu lamento muito, mas não posso deixar isso acontecer com o resto dos mortais!

– Não! O que merda eu posso fazer? – Eu gritei.
– Você? Não muito!
– Então porque você me ajudou? Não deixou seu “Senhor” me matar de uma vez?
– Achei que você poderia virar um guardião como nós!
– Mas eu posso!
– Não, não pode!
– Por quê?
– Você é fraco demais, sonha demais! O pesadelo lhe sucumbirá e levará você para o lado dele, ou dela. Ele possui muitas formas...
- Mas que porr...?

O resto dos motoqueiros chegaram em disparada ao meu redor, andando em círculos com suas motos e correntes, prontos para dar um fim naquilo, no meio da tempestade de nuvens de poeira. Um deles empinou a moto, veio em minha direção e mirou sua corrente em minha cara. Ele estava a alguns centímetros de me acertar. Tão perto que pude ver sua tatuagem novamente.

O dono da pousada bateu na porta avisando que minha hora já tinha acabado. Acordei suado e todo sujo novamente, por conta da fuligem dos insetos gigantes que tinham se misturado as nuvens. De certo modo o velho me salvou, me acordando. Vesti minha camisa e meu casado e saí. O velho falou que vieram uns caras procurando um tal de XXXXX, ele achou que poderia ser eu, e falou que em pouco tempo eu deveria sair. Pedi um papel e uma caneta ao velho, o chamei de imbecil por ter dado informações e saí. Depois voltei e agradeci. Corri muito. Lembrei que os esgotos de Londres eram um ótimo local para se esconder de sonhos.

Eu estava muito sujo e com cara de bêbado, correndo na madrugada,  até o momento que um policial me parou para revistar. Ele ligou a lanterna e pediu meus documentos. Fingi pegar algo do bolso e rapidamente roubei sua lanterna e corri outra vez. Acho que ele ficou parado por um tempo, tentando entender porque porra eu roubei uma lanterna. Mas mesmo assim ele gritou dando ordem para eu parar e atirou para cima. Me assustei e corri para o subsolo.

Agora estou aqui no esgoto. Escrevendo isso para vocês. Não sei por que estou escrevendo. Acho que é porque vou morrer. Estou com medo. É tudo o que consegui pensar em fazer para me manter acordado por enquanto. É o único jeito de eu fugir dos meus sonhos, antes que eles me matem.

Espere!

Que de barulho foi esse?

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